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Espólio

Laura Vasques de Sousa

Espólio

Laura Vasques de Sousa

Fuga

Laura Vasques de Sousa, 13.07.23

Do lado de lá da linha do comboio, esperas-me. 

Não se distinguem os contornos dos teus olhos, nem dos teus dentes robustos nem das tuas unhas roídas. 

Ferves sem sair do mesmo sítio. São os teus pés que não suportam o chão. 

A tua cabeça vira-se de um lado para o outro, desviando as várias pessoas presentes na plataforma da estação, uma a uma, na ânsia de me encontrares no meio delas. 

Deste lado estou eu, ansiosa. A mão direita agarrada ao corrimão, sem perceber porque o resto do corpo não avança. 

Foram os meus pés, rendidos ao medo, que largaram âncoras no chão. 

 

Do lado de lá da linha do comboio, vês-me. 

Levantas as mãos abertas e inclinas a cabeça para trás, em agradecimento ao divino. 

Fazes-me sinal que me apresse, com o braço esquerdo à altura peito, batendo três vezes com o indicador direito no mostrador do relógio de pulso. 

Deste lado estou eu, congelada.

Abanas a cabeça em negação. Recusas-te a aceitar que o meu arrependimento tenha chegado antes do início da nossa viagem. 

 

Do lado de lá da linha do comboio, eclipsada pela chegada da composição, ficou a recordação da última vez que te vi. 

O comboio seguiu e não restou ninguém. 

Deste lado, agarrada ao corrimão, fiquei eu. 

Sem saber porque não fui. 

Sem saber porque foste sem mim.

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