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Espólio

Laura Vasques de Sousa

abril 2024

09.08.24
Verme ressequido 
Nas fendas dos muros caiados
Nas flores rubras exaltadas
Nos canos de ferro engalanados
Morreu, cantava-se, morreu!
O bicho morreu!
 
Morreu?
 
Ferida lambida, chaga infetada
Vareja contorcida na ânsia das asas
 
Latente.
 
Na vigília do ombro e da bainha da saia
No cabelo castrado da mulher casada
No dever da hóstia antes da vacina
No bigode, na taberna e nas putas das esquinas
 
Latente.
 
Rasteja e espreita
Pulsa nas paredes de tijolo e cimento
Que tanto protegem como deixam de contar
Vibra no acolher quem vier por bem 
Desde que compre e consiga pagar
 
Latente. 
 
Latente?
 
Ardente.


Remexe-se e esperneia
Estica o dedo e nomeia
A pertença da guerra distante
Indiferente
A cor que destoa da terra
De boa gente
 
Ardente.
 
Ardente?
 
Pungente.


Figueira do Inferno, espinhos, fedor
Ventre bojudo e colarinho engomado
Sorriso brilhante de dentes afiados
Ergue-se e clama a glória de brindar
 
É o sangue bilioso do meu servo embriagado!
É o corpo no charco que ecoa o meu legado!
 
Para a mulher, não.                          Não!
Para o velho, não.                             Não!
Para o pobre, não.                            Não!
Para o preto, não.                             Não!
Para os que sim, não.                      Não!
Para vós que cantais, não.             Não!


E nós, aqui, dormentes.
 
Dormentes.


Dormentes?